O Arcadismo, ou Setecentismo (anos 1700) ou
Neoclassicismo é o período que caracteriza principalmente a Segunda
metade do século XVIII,porque o espírito reformista envolve este século numa
valorização antropocêntrica, de um saber racional que reflete o desenvolvimento
tecnológico, industrial, social e científico. Vive-se, agora, o Século das
Luzes, o iluminismo burguês que prepara o caminho para a Revolução Francesa.
No início do século XVIII ocorre a decadência do
pensamento barroco, para a qual colaboraram vários fatores: o exagero da
expressão barroca havia cansado o público, e a chamada arte cortesã, que se
desenvolvera desde a Renascença, atinge em meados do século um estágio
estacionário e mesmo decadente, perdendo terreno para o subjetivismo burguês; o
problema da ascensão burguesa supera a questão religiosa; surgem as primeiras
arcádias, que procuram a pureza e a simplicidade das formas clássicas; no
combate ao poder monárquico, os burgueses cultuam o "bom selvagem",
em oposição ao homem corrompido pela sociedade do Ancien Régime ( o velho
regime monárquico). Como se observa, a burguesia atinge a hegemonia
econômica e passa a lutar pelo poder político, então em mãos da monarquia. Isso
se reflete claramente no campo social e artístico: a antiga arte cerimonial
cortesã dá lugar ao gosto burguês.
O Arcadismo tem espírito nitidamente reformista,
pretendendo reformular o ensino, os hábitos, as atitudes sociais, uma vez que é
a manifestação artística de um novo tempo e de uma nova ideologia. No século
XVIII a influência sobre Portugal vem da França devido a emancipação política
da burguesia. Essa mesma burguesia é responsável pelo desenvolvimento do
comércio e da indústria e já assistia a algumas vitórias na Inglaterra e
Estados Unidos. Na França, a partir de 1750, os filósofos atacam o poder real e
clerical e denunciam a corrupção dos costumes com grande violência.
Em Portugal, o Arcadismo estende-se desde 1756,
com a fundação da Arcádia Lusitana, até 1825, com a publicação do poema
"Camões", de Almeida Garret, considerado o marco inicial do
Romantismo português.
No Brasil, considera-se como data inicial do
Arcadismo o ano 1768, em que ocorrem dois fatos marcantes: a fundação da
Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, e a publicação de Obras, de Cláudio Manuel
da Costa. A Escola Setecentista desenvolve-se até 1808, com a chegada da
Família Real ao Rio de Janeiro, a qual, com suas medidas
político-administrativas, permite a introdução do pensamento pré-romântico no
Brasil.
- CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
No século XVIII, o fortalecimento político da
burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um novo quadro
sociopolítico-cultural, que necessita de outras fórmulas de expressão.
Combate-se a mentalidade religiosa criada pela
Contra-Reforma, nega-se a educação jesuítica praticada nas escolas, valoriza-se
o estudo científico e as atividades humanas, num verdadeiro retorno à cultura
renascentista. A literatura tem por objetivo restaurar o equilíbrio por meio da
razão.
Em meados do século XVIII surge na Inglaterra e
na França uma burguesia que passa a dominar economicamente o Estado, através de
um vasto comércio ultramarino e da multiplicação de estabelecimentos bancários,
assenhoreando-se mesmo de uma parte da agricultura. Em toda a Europa tais
circunstâncias são semelhantes, e as influências do pensamento burguês se
alastram. Nesse momento, geram-se duas manifestações distintas, mas que se
completam.
O momento poético nasce de um encontro, com a
natureza e os afetos comuns do homem, refletidos através da tradição clássica e
de formas bem definidas, julgadas dignas de imitação ( Arcadismo); e o
momento poético ideológico, que se impõe no meio do século, e traduz a crítica
da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero.
Em 1748, Montesquieu publica O espírito das leis,
obra na qual propõe a divisão do governo em três poderes ( Executivo,
legislativo e Judiciário). Voltaire, como Montesquieu, relacionado com a alta
burguesia, defende uma monarquia esclarecida. Em 1851, dirigido por Diderot e
D'Alembert, aparece o Discours préliminaires de l'encyclopédie, cultuando a
razão, o progresso e as ciências. Importante papel desempenhou Jean-Jacques
Rousseau ( O contrato social; Emílio), defensor de uma governo burguês e do
ideal de "bom selvagem"o homem nasce bom, a sociedade é que o
corrompe"; portanto, o homem deveria voltar-se para o refúgio da natureza
pura). É dentro desse quadro que se desenvolve o Iluminismo europeu, transformando
o século XVIII no Século das Luzes, que resulta no despotismo esclarecido,
governo forte dando segurança ao capitalismo mercantil da burguesia e
preparando terreno para a Revolução Francesa.
A influência neoclássica penetrou em todos os
setores da vida artística européia, no século XVIII.
Na Itália essa influência assumiu feição
particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na lendária região da Grécia
antiga. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pan e habitada por
pastores que, vivendo de modo simples, e espontâneo, se divertiam cantando,
fazendo disputas poéticas e celebrando o amor e o prazer.
Os italianos, procurando imitar a lenda grega,
criaram a Arcádia em 1690 - uma academia literária que reunia os escritores com
a finalidade de combater o Barroso e difundir os ideais neoclássicos. Para
serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos
literários árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se
em parques e jardins para gozar a vida natural.
No Brasil e em Portugal, a experiência
neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano,
com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre,
etc.
Esses ideais de vida simples e natural vêm ao
encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia,
que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas
cortes.
- EXPRESSÃO ARTÍSTICA DA BURGUESIA
Foi nesse contexto de fermentação
filosófica e lutas políticas que surgiu o Arcadismo, voltado para um novo
público consumidor, formado pela burguesia e pela classe média. Como expressão
artística dessas camadas sociais, o Arcadismo identifica-se com as idéias da
Ilustração e veicula-as sob a forma de valores que se opõem ao tipo de vida
levado pelas cortes aristocráticas e à arte que consumiam, o Barroco.
Daí a idealização da vida natural, em oposição à
vida urbana; a humildade, em oposição aos gastos exorbitantes da nobreza; o racionalismo,
em oposição à fé; a linguagem simples e direta, em oposição à linguagem
rebuscada do Barroco. Esses valores artísticos e culturais assumiram, no
contexto da sociedade européia do século XVIII, um significado de clara
contestação política, já que flagravam os privilégios da nobreza e do clero e
propunham uma sociedade mais justa, racional e livre.
O Arcadismo pode ser visto, sob o ponto de vista
ideológico, como um arte revolucionária. Contudo, do ponto de vista estético, é
uma arte conservadora, pois ainda se liga à tradição clássica, tanto tempo
cultivada pelas cortes aristocráticas.
- CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO LITERÁRIO
A linguagem árcade é a expressão das idéias e dos
sentimentos do artista do século XVIII. Seus temas e sua construção procuram
adequar-se à nova realidade social vivida pela classe que a produzia e a
consumia: a burguesia.
Outras características da linguagem árcade que
merecem destaque:
Características
- Arte ligada ao Iluminismo. Oposição ao
absolutismo despótico e ao poder (barroco) da Igreja.
- Afirmação orgulhosa da racionalidade.
Razão = Verdade = Simplicidade e clareza.
- Culto da simplicidade. Como se atinge a
mesma? Através da imitação (não no sentido de cópia, mas no de seguir modelos
já estabelecidos).
- Imitação dos clássicos gregos. Em especial,
Virgílio e Teócrito, clássicos pastoris.
- Imitação da natureza campestre, isto é, da
ordem e do equilíbrio que essa natureza apresenta, o que dá a mesma um caráter
de paraíso perdido. Dois elementos decorrem da aproximação do árcade da
natureza campestre:
- Bucolismo: adequação do homem à harmonia e
serenidade da natureza.
- Pastoralismo: celebração da
vida pastoril, vista como um eterno idílio entre pastores e pastoras.
- Ausência de subjetividade. O
autor não expressa o seu próprio eu, adota uma forma pastoril ( era comum os
escritores usarem pseudônimos em seus poemas,sonetos e obras, como exemplo: Cláudio
Manuel da Costa é Glauceste Satúrnio, Tomás Antônio Gonzaga
é Dirceu, Basílio da Gama é Termindo Sipílio,)
- Amor galante. O amor é
entendido como um conjunto de fórmulas convencionais.
fugere urbem ( fuga da cidade):
influenciados pelo poeta latino Horácio, os árcades defendiam o bucolismo
como ideal de vida, isto é, uma vida simples e natural, junto ao campo,
distante dos centros urbanos. Tal princípio era reforçado pelo pensamento do
filósofo francês Jean Jacques Rousseau, segundo o qual a civilização corrompe
os costumes do homem, que nasce naturalmente bom.
aurea mediocritas ( vida medíocre
materialmente mais rica em realizações espirituais): A idealização de
uma vida pobre e feliz no campo, em oposição à vida luxuosa e triste na cidade.
Nestes versos de Tomás Antônio Gonzaga, por exemplo, são exaltados o trabalho
manual e o sentimento, em oposição ao artificialismo e às facilidades da vida
urbana:
Se não tivermos lãs e peles finas,
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
As peles dos cordeiros mal curtidas,
E os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mãos cosido.
Idéias iluministas: como
expressão artística da burguesia, o Arcadismo direciona certos ideais políticos
e ideológicos dessa classe, no caso, ideais do Iluminismo. Os iluministas foram
pensadores que defenderam o uso da razão, em contraposição à fé cristã, e
combateram o Absolutismo.
Convencionalismo amoroso: na
poesia árcade, as situações são artificiais; não é o próprio poeta quem fala de
si e de seus reais sentimentos. No plano amoroso, por exemplo, quase sempre é
um pastor que confessa o seu amor por uma pastora e a convida para aproveitar a
vida junto à natureza. Porém, ao se lerem vários poemas, de poetas árcades
diferentes, tem-se a impressão de que se trata sempre de um mesmo homem, de
uma mesma mulher e de um mesmo tipo de amor. Não há variações emocionais. Isso
ocorre devido ao convencionalismo amoroso, que impede a livre expressão dos
sentimentos. O que mais importava ao poeta árcade era seguir a convenção, fazer
poemas de amor como faziam os poetas clássicos, e não expressar os sentimentos.
A mulher é vista como um ser superior, inalcançável e imaterial.
Carpe diem: o desejo de
aproveitar o dia e a vida enquanto é possível, esta idéia é retomada
pelos árcades e faz parte do convite amoroso.
- O ARCADISMO EM PORTUGAL
Para os portugueses, o século XVIII iniciou-se
com um processo de modernização, através dos planos econômico, político,
administrativo, educacional e cultural. A produção literária foi ampla e
variada, incentivada principalmente pelas academias literárias árcades. A
principal expressão literária desse período, Manuel Maria du Bocage, foi um dos
maiores poetas portugueses de todos os tempos, Nas primeiras décadas
desse século, chegaram a Portugal as idéias iluministas, que entusiasmaram
intelectuais, artistas e até mesmo o rei D. João V e seu sucessor D.José I, que
desejavam modernizar o país.
Esse projeto deveria, ainda, satisfazer os
interesses da burguesia mercantil e colonial, equiparando Portugal novamente às
grandes nações européias. Com amplos poderes, e, na condição de ministro, o
Marquês, foi indicado a liderar essas idéias.
Com formação estrangeira, o Pe. Luis Antônio
Verney, mudou significativamente o cenário científico e artístico português,
usando projeto de reforma pedagógica. Suas idéias expostas na obra :Verdadeiro
método de estudar (1764), em que o escritor, atacava a orientação que
os jesuítas davam ao país. Criticava a arte barroca e seus adeptos, como o Pe.
Vieira.Nem mesmo Camões escapou das críticas, que viam nas antíteses
camonianas, traços da estética barroca.
Essas críticas originaram um amplo debate sobre a
necessidade de renovar a cultura portuguesa. Como decorrência desse período de
agitação cultural, foi fundada a Arcádia Lusitana, em 1756, considerada o marco
introdutório do Arcadismo em Portugal.
As academias literárias
As academias literárias eram agremiações que
tinham por objetivo promover o debate permanente sobre a criação artística,
avaliar criticamente a produção de seus filiados e facilitar a publicação de
suas obras.
Portugal contou com duas importantes academias
árcades: a Arcádia Lusitana, que efetivamente deu início ao movimento árcade em
Portugal, e a Nova Arcádia (1790), que contou com o maior poeta português do
século XVIII: Manuel Maria Barbosa du Bocage.
O gênero literário predominante durante o
Arcadismo português foi a poesia.
Durante o século XVIII, dos escritores
portugueses que mais se destacaram , um merece atenção especial:
MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE:(Elmano
Sadino)
O poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage,
também conhecido com o pseudônimo árcade de Elmano Sadino ( Elmano é um
anagrama de Manuel e Sadino é relativo ao rio Sado, que corta a cidade de
Setúbal, onde nasceu em 15 de setembro de 1765)Além das inúmeras experiências
amorosas, ele viveu aventuras nas colônias portuguesas do Oriente como na Índia
(Goa) e na China (Macau), teve quase o mesmo caminho que de Camões. Como ele,
Bocage também se incorporou em companhias militares, lutou na guerra,
naufragou, amou muitas mulheres e sofreu com elas, foi preso e morreu na
miséria.
Foi na lírica, em especial nos sonetos, que
Bocage atingiu o ponto alto de sua obra, embora também tenha se destacado como
poeta satírico e erótico.
Bocage é considerado o melhor escritor português
do século XVIII e, ao lado de Camões e de Antero de Quental, um dos três
maiores sonetistas de toda a literatura portuguesa. Isso ocorreu porque sua
obra traduz o momento transitório que viveu (1765-1805), ou seja, um período
marcado por mudanças profundas, como a Revolução Francesa (1789) e o
florescimento do Romantismo. Assim, a obra de Bocage, em sua totalidade, não é
árcade nem romântica: é uma obra de transição, que apresenta simultaneamente
aspectos dos dois movimentos literários.
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