terça-feira, 27 de janeiro de 2015

AS VIAGENS DE ENEIAS NA OBRA VIRGILIANA E SUAS RELAÇÕES COM AS OBRAS HOMÉRICAS: ILÍADA E ODISSEIA.



Marconde Maia[1]
WebersonGrizoste[2]

Resumo: Este presente artigo irá retratar a história da Literatura Latina que está dividida em dois períodos distintos. O termo se dá ao corpo de obras literárias escritas na Língua Latina, que constrói um legado duradouro da Cultura Romana, permanecendo até os dias atuais. Serão discutidos também os principais escritores Latinos que se destacam como Catulo, Horácio, Plauto e, principalmente, Virgílio com o Poema épico Eneida, obra que será relacionada comas obras épicas Odisseia e Ilíada, de Homero, escritor grego. As três obras terão fatores relacionados no decorrer deste artigo focalizando as viagens prolongadas e aventureiras dos heróis contidos nas obras.

Palavras – Chave: Literatura Latina. Eneida. Ilíada. Odisseia.


A Literatura Latina está divida em períodos distintos. Este nome se dá ao corpo de obras literárias escritas na Língua Latina, construindo um legado duradouro da Cultura Romana, permanecendo até os dias atuais. Neste período os literários romanos escreviam comédias, tragédias, poesias, buscando retratar em suas obras a origem de Roma, preservando a cultura romana, baseadas nas tradições de outras culturas, neste caso, nas obras literárias gregas.
Na Literatura Latina além de outros escritores como Catulo, Horácio, Plauto, Ovídio e demais, destaca-se Virgílio – com o Poema épico Eneida que será relacionado com as obras épicas Ilíada e Odisseia de Homero, poeta grego. Tais obras que contam a história de heróis que lutam por sua cidade.
O termo épico designa um poema heróico protagonizado por um ou vários personagens caracterizados por suas ações. A epopeia em geral celebrará o feito mais representativo de um povo, manifestando seus sentimentos nacionalistas. Na concepção clássica, a epopeia se caracteriza em três gêneros: o épico – predominado pela objetividade da escrita; o lírico – prevalecendo a subjetividade e o dramático – entrelaçando-os.
A epopeia tem em comum o caráter espontâneo, sendo popular ou coletivo, constituindo-se pelo modo de como as lendas eram transmitidas aos leitores. Em geral, contam histórias de heróis que buscam nas batalhas construir seus impérios ou lutar por seu império em defesa de um povo. Além disso, constam também as viagens prolongadas e aventureiras desses heróis. É possível ver o aparecimento de elementos sobrenaturais, fundamentando o épico na poesia. Estes elementos épicos podem ser visto em Ilíada e Odisseia, obras escritas por Homero, que terão fatos relacionados com a obra virgiliana Eneida neste artigo.
Eneida, obra épica latina escrita por Virgílio no século I a.C, focaliza a saga de Eneias pelo mar mediterrâneo ate chegar à península itálica. Eneias é um troiano que foi salvo dos gregos. A Eneida é uma epopeia feita por encomenda pelo imperador de Roma, Augusto. Virgílio escreve este poema contando a história de Roma, retratando o poder do império romano. A obra virgiliana é composta por 12 cantos, sendo, pois, uma obra incompleta e inacabada.
Virgílio ao escrever Eneida inspirou-se em Homero, que escreveu Ilíada e Odisseia. Portanto, a Eneida é metade iliática e metade odisseica e, em geral, os livros de 1-6 são relacionados com a Odisseia e os de 7-12 relaciona-se com a Ilíada[3].
A passagem no primeiro livro da Ilíada, onde Tétis intercede para Zeus glorificar o seu filho, ato que culmina com a morte de Heitor, encontra-se um paralelo no poema latino quando Vênus exige o cumprimento da promessa do deus, da raça que deveria nascer do sangue de Teucro[4]. 
A Odisseia, Obra homérica, foi, provavelmente, escrita no século VIII a.C. É um poema épico composto por 24 cantos narrando toda a trajetória de Ulisses em duas partes. A primeira compreende os acontecimentos vistos em 09 capítulos, quando o herói é afastado de casa, forçado pelas dificuldades criadas pelo deus Posêidon[5]. A segunda parte é composta por mais 09 capítulos descrevendo o retorno do herói a Ítaca, sob a proteção de Atena[6].
A Ilíada, narra o drama do herói Aquiles, filho da deusa Tétis e do mortal Peleu rei de Ftio. É uma epopeia com 24 cantos que é narrada em torno da guerra de tróia que teve duração de 10 anos. Toda a obra é derivada de Ílion, nome grego dado a cidade de Tróia. De acordo com a lenda, a guerra de Tróia foi motivada pelo rapto da princesa grega, Helena, esposa do rei de Esparta, Menelau, por Páris, filho do rei Príamo, de Tróia. Agamêmnon arrebatara Aquiles, o mais voroso guerreiro grego para a guerra. Começa o inicio da Ilíada com o primeiro canto cito na obra:

Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles
 A ira tenaz, que, lutuosa aos gregos,
Verdes no areo lançou mil fortes almas,
Corpode herói ações e abutres postos[7].

A Eneida não pode ser vista como uma mera tradução da Odisseia e da Ilíada, visto que possui um mosaico de passagens épicas que Virgílio escolheu e adaptou cuidadosamente em sua própria palavra num mundo digno de classificação semelhante ao de Homero.[8] Para muitos críticos esta obra é considerada como uma epopeia copiada de Homero, possuindo aspectos de verossimilhanças entre os personagens principais das obras. Eneias representa a raça de Heitor, em caráter iliádico, agora na posição de Aquiles.

Esta obra é uma epopeia invertida, porquanto nela ocorre a desconstrução das obras homéricas não apenas no sentido temporal, mas também no que toca ao papel dos próprios personagens: Eneias representa a raça de Heitor, agora na posição de Aquiles e Turno o novo Aquiles na posição de Heitor[9].

Por ser considerada uma obra invertida, Eneida de Virgílio, retrata as tradições vividas na época; as guerras e, consequentemente, derramamento de sangue e morte pode ser vista em todo o poema épico. As vitórias de Eneias são contidas em derrotas e a confraternização da paz entre as nações. Tornando-se um herói melancólico que se entrega de corpo e alma por seus companheiros às batalhas, a fim de destruir o inimigo e trazer de volta a Roma a paz.
O herói virgiliano está diante da guerra em Tróia nas pinturas de um templo em Cartago e lamenta pela morte de seus companheiros, assim como Ulisses, na obra homérica, Odisseia, chora ao ouvir o canto de Demódoco[10] no palácio de Alcino. O choro de Eneias é mais doloroso por ser um herói vencido, já Ulisses é um guerreiro vencedor.
Medeiros[11] diz que Virgílio é sem duvida o próprio Eneias, contando em seu poema sua própria história, suas viagens pelo mar mediterrâneo até a chegada em península itálica. Retrata ainda que Virgílio acreditava que mais longe, para além do Éter, mais tarde para além do tempo, o sangue e as lágrimas do herói derrotado hão-de florir em solos férteis.
Grizoste[12] retrata que Virgílio tece uma rede de intertextualização, controlada pela sua seleção a partir de sua leitura exercida em Homero se tornando de fato a evocação mais profunda do poeta grego[13]. Virgílio extrai para sua obra o sucesso e o insucesso das obras gregas: a Odisseia com as peripécias de um herói que regressa de um triunfo militar representado na Ilíada[14]. A obra virgiliana é contida de elementos semelhantes às obras homéricas. Ao escrever a Eneida, Virgilio buscou minuciosamente retratar seus personagens na concepção latina, elevando seu propósito de elencar a contextualização romana, em suas origens. As viagens, as guerras, o retorno do guerreiro romano são elementos vistos nas obras homéricas.
Eneias é o negativo de Ulisses, havendo diferenças entre os heróis. O herói homérico apesar de ser um peregrino é um astucioso, com objetivo de ganhar honra para si e regressa para junto de sua amada. Eneias afasta-se de sua pátria e caminha em busca de uma nova vida com objetivo de ser diferente em relação ao passado. Eneias quer um novo começo[15]. 
A maior epopeia da Literatura Latina, modelo para quantas escreveriam depois do ocidente, é Eneida, escrita no ano 29 a.C.“Embora o espírito da epopeia de Virgílio já estivesse bem distante daquele que iluminara a Ilíada e a Odisseia, suas fontes de inspiração, o autor da Eneida era o dono de um verso magistral, musical, que conquistaria toda a Europa medieval e cristã” [16].

No canto XIII, presente na Odisseia, narra o retorno de Ulisses a sua cidade, ao seu reino.

Calam-se todos, em deleite absorttos,
 Pela ampla sala opaca. E Alcino: “Ulisses, Pois que viestes ao meu palácio aênio,
Teus males findos creio e teus errores.
Vos que abranda em harmonia e o vinho da honra
 Gozai sem meus fetins, às ricas vestes
 E ouro acendrado n’arca sua inclusos
 Dádivas dos senhores, por cabeça
Grandes bacia e trípode ajuntai-me;
Já sós não bastamos, brinde o povo
 Conosco à larga este hospede bizarro[17].

Observa-se o convite de Alcino a Ulisses para participar de um banquete no palacio. Ulisses é recebido e também é presenteado pelos príncipes convidados por Alcino. A narrativa é considerada magistral, um encontro que se diria o momento mais importante de toda a obra. Ulisses está em despedida para seu reino. Na tarde do dia seguinte retorna à Ítaca, sua cidade.
Os épicos homéricos certamente fazem muitas referencias à realeza. Mas a frequência em Virgílio é significamente maior do que de Homero, e Eneias é de fato o símbolo da monarquia augustana dentro da poesia, pois é configurado como o fundador da origem romana[18].
No VI[19] canto de Ilíada vemos o encontro de Heitor e Eneias que lutam juntos e evitam que os troianos fujam da batalha. Toda a narrativa é dada em um campo de guerra contra os troianos. Na representação de que Eneias representa a raça de Heitor visto neste canto, Willians[20] aponta que Virgílio foi fraco em seu herói, comparando com Aquiles este é a sombra de um homem. Ficando claro neste canto.
Outra característica presente na obra virgiliana, tendo relação com as obras homéricas Ilíada e Odisseia, está presente no final do segundo livro de Eneida, onde Eneias busca abraçar a penumbra de sua esposa, tudo em vão. Indicando a verossimilhança do personagem virgiliano com os personagens homéricos, Aquiles e Ulisses.

Furente as casas lustros, e saio e torno,
Quando a sombra da esposa, imagem triste
Maior que dantes se me avulta os olhos,
Pasmo, hirta a coma a voz se apega às fauces
Ei-la afável me alenta e assim me acalma:
“Que vale a dor sobeja, ó doce esposo
Sem nume isto não é: levar Creusa
Te veda o fado, o regedor sublime
Do Olimpo o não concente[21].

No vigésimo terceiro canto de Ilíada, Aquiles tenta abraçar a penumbra de Patroclo. O herói homérico faz os funerais de Patroclo e também organiza jogos fúnebres aos convidados. Toda poesia é contida em festas.

Após ele, os Aqueus nas crimpulcras   
Bigas circundam três vezes Patroclo,
E Tétis exacerba o luto e o pranto; (..)
Em soluço Aquiles urra impondo
As homicidas mãos do sócio aos peitos:
“Salve, Patroclo, na Plutônia estância!
Hei-de a palavra encher: Heitor em pasto
A cães dar; em vingança, doze ilustres
Jovens de Ílion ante a pira degolar-te”.[22]

Nota-se a ira de Aquiles ao ver Patroco morto e jura a morte de Heitor na guerra de Tróia. O desejo de vingança do herói iliádico é claramente visto no poema.
No décimo primeiro livro de Odisseia, Ulisses tenta abraçar a penumbra de sua mãe.   Fatos que se assemelham em Eneida de Virgílio.
      
Aguardei minha mãe, que o negro sangue
Beber veio, e bradou-me lamentosa:
“Que! Filho meu, chegastes à escura treva!
É difícil aos vivos, entre enormes
E validas correntes; nau compacta
Há mister o Oceano invadeável
De Ílion, há muito errabundo, os sócios trazes?
Ítaca, ainda não vistes, a esposa tua?”
“Ah! minha mãe”, respondo, “urgiu-me a sorte
Avir o Orco interrogar Tirésias.
Não fui à nossa terra, ou mesmo à Grécia”[23].

Grizoste[24] diz que os heróis homéricos possuem característica que por sinal, vai além da nossa existência física: Aquiles precipitou-se pelas suas próprias mãos, Ulisses sentiu frustrações e Eneias lamentou o fato de não ter sucumbido com os troianos que pereceram na muralha de Tróia.
Virgílio tinha o objetivo de criar um poema cheio de vida, mas viu sua obra migrar de um espaço de luz para um espaço de sombras. Para Medeiros[25] o próprio poeta e afetado por essa mutação: no leito de morte quis destruir seu poema,em uma época de conturbadas amarguras.
Ao escrever sua epopeia ao imperador romano, Augusto, Virgílio, buscou nas obras gregas, preferencialmente em Ilíada e Odisseia, retratar em Eneida, que é considerada como uma das maiores epopeias latinas, a distorção de um herói que luta pela paz de Roma, juntos com seus guerreiros. Eneias é o herói escolhido por Virgílio para contar sua própria historia de vida, suas viagens e aventuras, extraindo elementos sobrenaturais contidas nas obras de Homéricas.
Virgílio tinha um objetivo ao criar seu maior poema, considerado para muitos críticos, como o principal poema da literatura latina enche-lo de vida como Medeiros[26] retrata em sua obra. A Eneida de Virgílio é uma obra distorcida das obras homéricas, Ilíada e Odisseia, visto que, o autor haveria lido estas obras.
REFERÊNCIAS:

GRIZOSTE, Weberson Fernandes. Os Timbiras: os paradoxos antiépicos da Ilíada brasileira, Coimbra, FLUC, 2013.
________, A dimensão anti-épica de Virgilio e o indianismo de Gonçalves Dias, Coimbra, CECH, 2011.
HOMERO.Ilíada. Trad.MENDES, Manoel Odorico, São Paulo, Martin Claret, 2007.
­­­________. Odisséia. Trad.MENDES, Manoel Odorico, São Paulo, Martin Claret, 2007.
MEDEIROS, Walter de, ANDRÉ, Carlos Asceno, PEREIRA, Virginia Soares, A Eneida em contraluz, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos, 1992.
VIRGILIO, Eneida Brasileira, Bilíngue, Org. e anot. Paulo Vasconcelos et alii; trad. e anot. Odorico Mendes, Campinas, Unicamp, 2008



NOTAS
[1] Acadêmico do 6º período de letras no Centro de Estudos Superiores de Parintins, CESP-UEA.
[2] Docente em Língua Latina no Centro de Estudos Superiores de Parintins, CESP-UEA.
[3]Apud Grizoste, 2013, 40.
[4]Sellar apud Grizoste, 2013, 39.
[5]Posêidon: deus dos mares, in Odisseia, 2007, 23.
[6] Atena: deusa do pensamento, in Odisseia, 2007, 23.
[7] Canto I Ilíada, 2007, 25-26.
[8]Schlunk apud Grizoste, 2013, 40.
[9]Grizoste, 2013; 43.
[10] Medeiros, 1992, 12.
[11] Medeiros, 1992, 22.
[12]Apud Theodorakopoulos, 1997, 159 – 160.
[13]Apud Quinn, 1968, 278.
[14]Grizoste, 2011, 41.
[15]Willians apud Grizoste, 2011, 43.
[16]Mendes, 2007, 19.
[17] Canto XIII, Odisseia, 2007, 239-240.
[18]Grizoste, 2011, 43.
[19]O canto VI, está contido nas paginas 159 – 176, da tradução de Odorico Mendes,  narrando  os deuses que se retiram do campo de batalhas e os gregos avançam. Heitor e Eneias evitam que os troianos fujam. Diomedes, filho de Tideu, encontra-se com Glauco e sela sua fidelidade no combate. Heitor, seguindo o conselho de Heleno, oferece uma hecatombe a Minerva. Em seguida, ele vai ter com Páris e o encontra junto de Helena. Heitor se põe a conversar com Andrômaca e afaga seu filho ainda pequeno. Páris, tomando suas armas junta-se a Heitor e os dois voltam ao campo da peleja.   
[20]Apud Grizoste, 2011, 43.
[21] Canto II, Eneida, 2008, 72.
[22] Canto XIII, Ilíada, 2007, 485.
[23] Canto XI, Odisseia, 2007, 208.
[24]Grizoste, 2011, 28.
[25] In Grizoste, 2011, 29.
[26] In Grizoste, 2011, 29.

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